Kleyton Canuto: Minha vida é cigana

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Decifrando o eclético mundo de Kleyton Canuto

Por Lincon Silva

Créditos das imagens: Ariadne Gabriela

O quinto filho de seis irmãos, o pai de José Henrique, marido de Renata, militante, Doutor, professor, diretor, roteirista, ator, e por último, mas não menos importante: humano. Kleyton Jorge Canuto é a exemplificação mais literal de uma caixinha de surpresas. Sua aparência juvenil, com cabelos pretos vívidos e sua exasperação devido a rotina extremamente corrida que começa às 5h da manhã e termina às 23h da noite, encobrem a vasta lista de experiências e responsabilidades que ele possui. O filho de uma professora, que desde pequeno foi instruído pela mãe a ter a educação como a única fonte de ascensão social.

Orgulhosamente filho da Liberdade, popular bairro da cidade de Campina Grande, na Paraíba, Kleyton fez parte de uma geração demasiadamente televisiva, o que o influenciou a demonstrar interesse por filmes. Ele recorda de acompanhar a cultura pop da época através apenas da televisão. O primeiro filme que assistiu foi alguma das edições da franquia dos Cavaleiros do Zodíaco, surgindo daí sua paixão e admiração pelo audiovisual, que futuramente lhe renderia os mais significantes frutos em sua vida.

Diferente da maioria dos meninos de sua idade, em sua adolescência, num período em que os hormônios exalavam de seu corpo e as ideias mais malucas surgiam em sua mente, Kleyton se aproximava mais ainda da sétima arte, se jogando de vez no mundo do cinema, instigado pela curiosidade em saber como toda a beleza cinematográfica que ele conhecia era produzida. O crescimento de seu interesse se deu pela constante mania de trocar ideias e matérias entre seus amigos, como fitas VHS, CDs e DVDs, abrangendo todo tipo de arte: música, literatura, cinema, teatro etc.

E quem diria que os hormônios dariam apenas ideias para toda essa descoberta! Às vésperas de prestar o vestibular da época, ele decide se aventurar e cursar não apenas um, mas dois cursos de ensino superior, Comunicação Social e Arte e Mídia, na UEPB e UFCG, respectivamente. Foi neste último que ele teve sua primeira experiência como assistência de produção, e percebeu que seu futuro não seria como muitos imaginaram:

“Foi aí que as portas se abriram, não só para apreciar o cinema, mas para querer fazer o cinema. E assim aos poucos me descobri experimentando.

Ao iniciar as duas graduações simultaneamente, Kleyton percebeu que diferente do que pensava, os dois cursos convergiam-se da forma mais perfeita possível. Ele iniciou sua formação em Jornalismo com o sonho ordinário de todo aspirante a jornalista: ser repórter, mas percebeu que não se interessava pela cobertura massiva e pouco sensível do factual jornalístico. Posteriormente descobriu que se sentia mais confortável na arte de fazer documentário, um gênero jornalístico audiovisual que juntava suas duas paixões: informar e produzir arte. Após suas experimentações como produtor, sua ambição pelo cinema aumentou e suas ações se voltaram para outras áreas, como direção de fotografia, de arte e som.

Em meio a essas experimentações de diferentes posições nos sets de filmagem, Kleyton sentiu que precisava ir mais fundo e em 2009 ele inicia sua jornada em busca de formação como ator, procurando um autoconhecimento para entender mais sobre seu próprio crescimento como diretor. Durante esse período, ele ainda encontrava tempo e sanidade para terminar suas duas graduações, liderar movimentos estudantis e culturais, e atuar na produção cultural de eventos e calouradas, o que não impediu Kleyton de se aprofundar na atuação: “Acabou que atuei em mais filmes do que dirigi”.

Após seu longo período de atuação, Kleyton produziu e dirigiu diversos curtas, em especial Platô! (2012), seu primeiro curta-metragem que fala sobre essa figura discreta nos bastidores do set cinematográfico e que garante o fluxo suave das filmagens sem ser notado, enfrentando desafios e preparando a locação para as cenas, revelando a complexidade por trás do processo audiovisual. Para ele, dirigir Platô! foi mais que especial, pois simbolizou uma luta contra a desvalorização da função que ele exerceu em muitas obras. Ele demonstra o prazer pela direção, procurando sempre saldar e homenagear grandes nomes que moldaram seu trabalho e que mantém como exemplo, como o famoso documentarista brasileiro Eduardo Coutinho (1933-2014) e o cineasta russo Andrei Tarkovski (1932-1986), mesmo ressaltando que é fã de diferentes escolas do cinema, até mesmo do teatro vivo: “Eu curto um monte de coisa, e isso é bom pois são inspirações que vão sendo contínuas e vou descobrindo novas coisas com cada uma delas”.

As surpresas de filmagem não se limitaram apenas às gravações de Platô!. Em O Tempo Feliz Que Passou (2015), Kleyton interpretou a travesti Isabela, para qual ele teve que ter aulas de dança para “quebrar o corpo” e aulas de salto, para conseguir andar perfeitamente nos sapatos de plataformas: “eu descolori meu cabelo e me depilei inteiro. Foi um processo de entrada e muita imersão, que consegui graças a uma grande colega e preparadora de elenco formidável, Sandra Prazeres, que me fez achar o toque final que faltava para a construção do personagem”.

Ele participou da escola de formação para vídeo em Natal, onde eram oferecidas bolsas para estudar no Rio de Janeiro, que ele recusou pois passou no Mestrado em Estudos da Mídia na UFRN. Foram nesses dois anos de mestrado que ele mais atuou em filmes, e quando circulou o Nordeste inteiro entre gravações e direções, resultando na gravação de seu primeiro longa-metragem como ator, Sobre Cabelos (2013). Pelo longa, Kleyton recebeu menção honrosa no 4º Curta Coremas por sua atuação, além de receber o prêmio de melhor filme no VIII Comunicurtas, festival audiovisual de Campina Grande, ambos na Paraíba.

Após a conclusão do Mestrado, iniciou sua jornada como professor acadêmico, em 2014, e pouco tempo depois deu continuidade em sua formação acadêmica, dando início ao Doutorado em Estudos da Mídia pela UFRN, além de exercer o cargo de conselheiro municipal de cultura de Campina Grande (2013-2016).  Mesmo possuindo DRT em atuação, por hora, Kleyton pretende continuar sua jornada acadêmica, ministrando aulas, desenvolvendo pesquisas e formando futuros documentaristas e diretores, atores e atrizes, jornalistas e comunicadores.

Por estar inserido e ativamente atuando pela consagração do cinema paraibano e nordestino, Kleyton enfatiza sua diversidade e evolução ao longo do tempo, destacando a atuação de artistas e diretores em diversas frentes, inclusive em cidades do interior, como Nazarezinho, Condado e Catolé do Rocha, evidenciando uma luta contínua pela visibilidade e pela multiplicidade de vozes:

“O cinema paraibano é muito mais diverso e representativo que os outros estados do Nordeste, geograficamente falando. As pessoas não precisam se dirigir à capital para ter acesso à essas produções. Temos festivais de cinema e audiovisual em geral espalhados por todo o estado, levando a cultura à frente.”

Apesar dos desequilíbrios que o cinema nordestino encontra, ele também ressalta o reconhecimento histórico de figuras importantes como Glauber Rocha e movimentos marcos da Paraíba, como o Cinema Novo, além da presença crescente em festivais, mostras e até mesmo na televisão local, refletindo uma conquista gradual de espaço e reconhecimento para o cinema paraibano e nordestino.

Lembrando que o Kleyton humano não deixa de se fazer presente em meio a essa rede infinita de trabalho e realizações. Por trás de tudo isso, é um homem de 39 anos que é apaixonado pelo Treze Futebol Clube, time de futebol se sua cidade natal Campina Grande, por passear com a família e com o cachorro, cuidar de suas 4 gatas e pedalar. Esse último hobby ele desenvolveu na pandemia, quando encontrou nesse hábito uma válvula de escape para a pressão que o mundo sofreu nos tempos sombrios de 2020-2021. Ele ressalta que não é fácil conciliar todas essas tarefas em uma única pessoa, como por exemplo a paternidade:

“Existe um encantamento no desafio de ser pai. Não é fácil, e não romantizo, mas também não demonizo. Ela veio para me fazer dar uma freada na rotina imparável e me fez cuidar um pouquinho mais de mim”.

Em 2024 ele retorna a lecionar na UEPB sentindo novamente aquela sensação aconchegante de orgulho, conseguindo conciliar sua paixão pela arte do cinema, e sua dedicação extrema à vida acadêmica. Dos frutos que ele espera receber por todos esses anos de empenho na vida acadêmica, só resta um: ver que seus ensinamentos foram repassados e aproveitados da melhor forma. Ele aconselha diariamente seus alunos a construírem uma formação geral e atentarem para necessidade da perseverança:

Tirar do papel é muito importante. Começar, dar o primeiro passo, e ousar, é o conselho que eu dou. Tem filmes que saem do papel em meses. Existem filmes que são anos. Cada proposta demanda dedicação. E a gente vai ter que saber respeitar a obra e se respeitar acima de tudo.

O Kleyton do futuro expressa o desejo de continuar ministrando aulas e de formar mais pessoas, enfatizando a importância de consolidar a cadeia produtiva do audiovisual em Campina Grande e no Nordeste. Ele destaca a necessidade de promover atividades contínuas de formação, produção, circulação e exibição, incluindo cineclubes e outras iniciativas.

Temos que reduzir a distância entre a universidade e a comunidade, disseminando essas ideias entre o público.

Seu rosto brilha ao pensar em um futuro em que o audiovisual Nordestino tenha mais espaço, com obras sendo produzidas aos montes, com sua família ao seu lado, e seus alunos realizados em suas profissões.

Estou me sentindo realizado. É o que eu amo.

Assista Platô:

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